A eficácia suspensiva de efeito paralisante foi
desenvolvida pelo STF (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 466.343-1) no voto
condutor para o acórdão do ministro Gilmar Mendes, quanto à
internalização dos tratados internacionais que cuidam da proteção
de direitos humanos subscritos pelo Estado brasileiro em período
anterior à emenda constitucional nº 45/2004, e seus efeitos em
relação à legislação brasileira conflitante.
Diante das quatro possíveis correntes a respeito da hierarquia
desses tratados, ventiladas inclusive no mencionado julgado, quais
sejam, supraconstitucional, constitucional, supralegal e legal,
optou-se pela supralegalidade.
A implicância prática dessas teses estão relacionadas
essencialmente ao efeito que esses tratados poderiam gerar em relação
ao ordenamento brasileiro. Assim, caso fossem considerados normas
supraconstitucionais, poderiam fragilizar a supremacia
da constituição, largamente defendida pela doutrina brasileira. Ao
considerá-los normas constitucionais, teriam força
revogatória da própria CF, sendo, portanto, incompatíveis com o
preceito formal de rigidez constitucional, quiçá do controle de
constitucionalidade. De outra sorte, a tese da legalidade,
ou seja, da equiparação desses tratados à legislação ordinária,
poderia contrariar convenções internacionais que versam sobre a
estabilidade dos tratados (p.ex. Convenção de Viena), porquanto
estes poderiam simplesmente ser revogados pela superveniência de lei
posterior em sentido contrário (lex
posterior derogat legi priori).
Por essas razões, chegou-se à conclusão, mesmo de forma não
unânime no RE 466.343-1 (STF), que os tratados internacionais sobre
direitos humanos, subscritos anteriormente à EC 45/2004, teriam
estatura hierárquico normativa supralegal, estando
abaixo da Constituição (não podendo, dessa forma, revogá-la) e
acima das lei ordinárias (não podendo, portanto, ser por elas
revogados). Consequentemente, possuem efeito paralisante
de toda a legislação comum com eles conflitantes, sejam anteriores
ou mesmo posteriores, por estarem enquadrados em outro patamar
estrutural.
Ou seja, a simetria (no sentido de paralelismo das formas) indica que
não se aplica, nesse caso, o
fenômeno da revogação (alguns defendem que o ato de
revogar
significa tornar sem efeito uma norma, retirando sua obrigatoriedade,
só podendo ser feito por lei de igual hierarquia), porquanto
não
se trata de normas que se encontram
em um mesmo plano ou esfera,
a despeito de não haver consenso a esse respeito.
Dessa
forma, os tratados sobre direitos humanos, ao não
serem enquadrados pelo
STF
no
mesmo plano das leis, mas
situados em uma esfera superior a elas (plano
supralegal),
não
revoga
as leis contrárias, suspende
a sua eficácia, paralisando os seu efeitos.
“... diante do inequívoco caráter especial dos tratados
internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é
difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico,
por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição,
tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de
toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela
conflitante.
Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da
Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão
constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5o,
inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do
Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.
11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San
José da Costa Rica (art. 7o, 7), mas deixou de ter
aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em
relação à legislação infraconstitucional que disciplina
a matéria, incluídos o art. 1.2 87 do Código Civil de 1916 e o
Decreto-Lei n° 911, de 1o de outubro de 1969.
Tendo
em vista o caráter
supralegal
desses diplomas normativos internacionais, a legislação
infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também
tem sua eficácia
paralisada.
É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil
(Lei n° 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art.
1.287 do Código Civil de 1916.” STF
- RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 466. 343-1 –
Relator: Ministro César Peluso
(grifo
meus)
Poder-se-ia comparar esse fenômeno ao efeito das leis federais sobre
normas gerais em relação às leis estaduais sobre normas gerais
àquelas contrárias no âmbito da competência legislativa
concorrente (CF, art. 24, § 4º), no que tange à superveniência de
lei federal anteriormente omissa, ensejadora da competência
legislativa plena dos estados (supletiva). Tem-se, nesse caso,
semelhante eficácia paralisante de efeito suspensivo,
por tratar-se de normas de distintos planos jurídicos (ordem federal
e estadual), não se falando, no sentido técnico jurídico,
portanto, em fenômeno da revogação, mas sim, suspensão da
eficácia (princípio do paralelismo das formas).
O efeito prático dessa distinção visualiza-se quando uma norma
federal posterior vier a revogar a própria norma federal que
anteriormente suspendera a eficácia da norma estadual, pois esta
retomaria a sua eficácia, independente de previsão expressa na lei
federal revogadora. Diferentemente, se a lei estadual houvesse sido
inicialmente revogada pela lei federal (e não ter sua eficácia
meramente suspensa como indica a CF), uma posterior lei federal
revogadora desta não restauraria automaticamente os efeitos da lei
estadual, pois estaríamos diante do fenômeno da repristinação,
que depende de previsão expressa.
Ainda sim, cumpre ressaltar que, apesar de alguns defenderem ter a
CF/88 adotado a doutrina alemã da primazia do direito federal
sobre o estadual (Bundesrecht
bricht Landesrecht),
a
CF/88, diferentemente da Constituição alemã, não
lançou atenção à preordenação hierárquica entre as leis
federais e as estaduais, mas sim, estabeleceu diferentes núcleos de
competência (princípio da predominância do interesse), de sorte
que uma não pode invadir o campo reservado ao da outra, sob pena de
invalidação por vício de inconstitucionalidade, daí
não se falar em revogação
de uma lei estadual por uma lei federal, senão suspensão
da eficácia, efeito
paralisante.
“Não
me impressiona, à primeira vista, o argumento que a legislação impugnada deve
subordinar-se, na espécie, à Lei federal 9.055/1995, uma vez que, não vigora no direito brasileiro o princípio de que o
direito federal rompe com o direito estadual (Bundesrecht bricht Landesrecht)
consagrado no art. 31 da Constituição alemã.” (STF - ADPF 109 SP –
Trecho do voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI) grifei
... Note-se bem, o constituinte foi técnico: a lei
federal superveniente não revoga a lei estadual nem a derroga no aspecto
contraditório, esta apenas perde a sua aplicabilidade porque fica com sua
eficácia suspensa. Quer dizer,
também, sendo revogada a lei federal pura e simplesmente, a lei estadual
recobra a sua eficácia e passa outra vez a incidir. (Curso de Direito
Constitucional Positivo – José Afonso da Silva – Pág. 508 – 37 Edição) grifei
... Por que ocorre a suspensão e não a
revogação das normas estaduais contrárias? Acreditamos que seria
extremamente complicado em termos jurídicos se a CR/88 estabelecesse que normas
da União revogariam normas estaduais contrárias (na lógica da “teoria do ordenamento jurídico”, em regra, quem deve
revogar as normas estaduais são as normas estaduais). (Curso de Direito
Constitucional – Bernardo Gonçalves Fernandes - Pág. 746/747 – 6 Edição) grifei
...
Se a União resolver legislar sobre norma geral, a norma geral que o Estado (ou
o Distrito Federal) havia elaborado terá sua eficácia suspensa no ponto em que
for contrária à nova lei federal sobre norma geral. Caso não sejam conflitantes,
passam a conviver, perfeitamente, a norma geral federal e a estadual (ou
distrital). Observe-se tratar de
suspensão da eficácia, e não revogação, pois, caso a norma geral
federal que suspendeu a eficácia da norma geral estadual seja revogada por
outra norma geral federal, que, por seu turno, não contraria a norma geral
feita pelo Estado, esta última voltará a produzir efeitos (lembre-se que a
norma geral estadual apenas teve a sua eficácia suspensa). (Direito
Constitucional Esquematizado – Pedro Lenza – Pág. 433/434 – 16 Edição) grifei
... É importante ressaltar que a lei federal
de normas gerais superveniente suspenderá a eficácia dos dispositivos de normas
gerais da lei estadual que lhe forem contrários, não os revogará. A
suspensão da eficácia não se confunde com a revogação. (Direito Constitucional
Descomplicado – Vivente Paulo e Marcelo Alexandrino – Pág. 363 – 13 Edição) grifei
“A competência comum, diferentemente da concorrente e da privativa, é competência que os entes federados exercem sobre a mesma matéria, sem, todavia, interferir nas áreas de respectiva atuação, sobre não haver, em seu exercício ordinário, hierarquia de exclusão. Na competência privativa, os entes federados que a possuem excluem a dos demais. Na competência concorrente, atuam sobre a mesma matéria, mas em campos diversos. No comum atuam sobre a mesma matéria e nos campos sem conflito” (Pinto Ferreira - Comentários à Constituição do Brasil, 3º volume, ob. cit., p. 373/374). grifei