terça-feira, 28 de abril de 2015

Eficácia suspensiva de efeito paralisante

 A eficácia suspensiva de efeito paralisante foi desenvolvida pelo STF (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 466.343-1) no voto condutor para o acórdão do ministro Gilmar Mendes, quanto à internalização dos tratados internacionais que cuidam da proteção de direitos humanos subscritos pelo Estado brasileiro em período anterior à emenda constitucional nº 45/2004, e seus efeitos em relação à legislação brasileira conflitante.

Diante das quatro possíveis correntes a respeito da hierarquia desses tratados, ventiladas inclusive no mencionado julgado, quais sejam, supraconstitucional, constitucional, supralegal e legal, optou-se pela supralegalidade.

A implicância prática dessas teses estão relacionadas essencialmente ao efeito que esses tratados poderiam gerar em relação ao ordenamento brasileiro. Assim, caso fossem considerados normas supraconstitucionais, poderiam fragilizar a supremacia da constituição, largamente defendida pela doutrina brasileira. Ao considerá-los normas constitucionais, teriam força revogatória da própria CF, sendo, portanto, incompatíveis com o preceito formal de rigidez constitucional, quiçá do controle de constitucionalidade. De outra sorte, a tese da legalidade, ou seja, da equiparação desses tratados à legislação ordinária, poderia contrariar convenções internacionais que versam sobre a estabilidade dos tratados (p.ex. Convenção de Viena), porquanto estes poderiam simplesmente ser revogados pela superveniência de lei posterior em sentido contrário (lex posterior derogat legi priori).

Por essas razões, chegou-se à conclusão, mesmo de forma não unânime no RE 466.343-1 (STF), que os tratados internacionais sobre direitos humanos, subscritos anteriormente à EC 45/2004, teriam estatura hierárquico normativa supralegal, estando abaixo da Constituição (não podendo, dessa forma, revogá-la) e acima das lei ordinárias (não podendo, portanto, ser por elas revogados). Consequentemente, possuem efeito paralisante de toda a legislação comum com eles conflitantes, sejam anteriores ou mesmo posteriores, por estarem enquadrados em outro patamar estrutural.

Ou seja, a simetria (no sentido de paralelismo das formas) indica que não se aplica, nesse caso, o fenômeno da revogação (alguns defendem que o ato de revogar significa tornar sem efeito uma norma, retirando sua obrigatoriedade, só podendo ser feito por lei de igual hierarquia), porquanto não se trata de normas que se encontram em um mesmo plano ou esfera, a despeito de não haver consenso a esse respeito.

Dessa forma, os tratados sobre direitos humanos, ao não serem enquadrados pelo STF no mesmo plano das leis, mas situados em uma esfera superior a elas (plano supralegal), não revoga as leis contrárias, suspende a sua eficácia, paralisando os seu efeitos.

... diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.
Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5o, inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7o, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.2 87 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei n° 911, de 1o de outubro de 1969.
Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916.” STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO 466. 343-1 – Relator: Ministro César Peluso (grifo meus)

Poder-se-ia comparar esse fenômeno ao efeito das leis federais sobre normas gerais em relação às leis estaduais sobre normas gerais àquelas contrárias no âmbito da competência legislativa concorrente (CF, art. 24, § 4º), no que tange à superveniência de lei federal anteriormente omissa, ensejadora da competência legislativa plena dos estados (supletiva). Tem-se, nesse caso, semelhante eficácia paralisante de efeito suspensivo, por tratar-se de normas de distintos planos jurídicos (ordem federal e estadual), não se falando, no sentido técnico jurídico, portanto, em fenômeno da revogação, mas sim, suspensão da eficácia (princípio do paralelismo das formas).

O efeito prático dessa distinção visualiza-se quando uma norma federal posterior vier a revogar a própria norma federal que anteriormente suspendera a eficácia da norma estadual, pois esta retomaria a sua eficácia, independente de previsão expressa na lei federal revogadora. Diferentemente, se a lei estadual houvesse sido inicialmente revogada pela lei federal (e não ter sua eficácia meramente suspensa como indica a CF), uma posterior lei federal revogadora desta não restauraria automaticamente os efeitos da lei estadual, pois estaríamos diante do fenômeno da repristinação, que depende de previsão expressa.

Ainda sim, cumpre ressaltar que, apesar de alguns defenderem ter a CF/88 adotado a doutrina alemã da primazia do direito federal sobre o estadual (Bundesrecht bricht Landesrecht), a CF/88, diferentemente da Constituição alemã, não lançou atenção à preordenação hierárquica entre as leis federais e as estaduais, mas sim, estabeleceu diferentes núcleos de competência (princípio da predominância do interesse), de sorte que uma não pode invadir o campo reservado ao da outra, sob pena de invalidação por vício de inconstitucionalidade, daí não se falar em revogação de uma lei estadual por uma lei federal, senão suspensão da eficácia, efeito paralisante.

Não me impressiona, à primeira vista, o argumento que a legislação impugnada deve subordinar-se, na espécie, à Lei federal 9.055/1995, uma vez que, não vigora no direito brasileiro o princípio de que o direito federal rompe com o direito estadual (Bundesrecht bricht Landesrecht) consagrado no art. 31 da Constituição alemã.” (STF - ADPF 109 SP – Trecho do voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI) grifei

... Note-se bem, o constituinte foi técnico: a lei federal superveniente não revoga a lei estadual nem a derroga no aspecto contraditório, esta apenas perde a sua aplicabilidade porque fica com sua eficácia suspensa. Quer dizer, também, sendo revogada a lei federal pura e simplesmente, a lei estadual recobra a sua eficácia e passa outra vez a incidir. (Curso de Direito Constitucional Positivo – José Afonso da Silva – Pág. 508 – 37 Edição) grifei

... Por que ocorre a suspensão e não a revogação das normas estaduais contrárias? Acreditamos que seria extremamente complicado em termos jurídicos se a CR/88 estabelecesse que normas da União revogariam normas estaduais contrárias (na lógica da “teoria do ordenamento jurídico”, em regra, quem deve revogar as normas estaduais são as normas estaduais). (Curso de Direito Constitucional – Bernardo Gonçalves Fernandes - Pág. 746/747 – 6 Edição) grifei

... Se a União resolver legislar sobre norma geral, a norma geral que o Estado (ou o Distrito Federal) havia elaborado terá sua eficácia suspensa no ponto em que for contrária à nova lei federal sobre norma geral. Caso não sejam conflitantes, passam a conviver, perfeitamente, a norma geral federal e a estadual (ou distrital). Observe-se tratar de suspensão da eficácia, e não revogação, pois, caso a norma geral federal que suspendeu a eficácia da norma geral estadual seja revogada por outra norma geral federal, que, por seu turno, não contraria a norma geral feita pelo Estado, esta última voltará a produzir efeitos (lembre-se que a norma geral estadual apenas teve a sua eficácia suspensa). (Direito Constitucional Esquematizado – Pedro Lenza – Pág. 433/434 – 16 Edição) grifei

... É importante ressaltar que a lei federal de normas gerais superveniente suspenderá a eficácia dos dispositivos de normas gerais da lei estadual que lhe forem contrários, não os revogará. A suspensão da eficácia não se confunde com a revogação. (Direito Constitucional Descomplicado – Vivente Paulo e Marcelo Alexandrino – Pág. 363 – 13 Edição) grifei

A competência comum, diferentemente da concorrente e da privativa, é competência que os entes federados exercem sobre a mesma matéria, sem, todavia, interferir nas áreas de respectiva atuação, sobre não haver, em seu exercício ordinário, hierarquia de exclusão. Na competência privativa, os entes federados que a possuem excluem a dos demais. Na competência concorrente, atuam sobre a mesma matéria, mas em campos diversos. No comum atuam sobre a mesma matéria e nos campos sem conflito” (Pinto Ferreira - Comentários à Constituição do Brasil, 3º volume, ob. cit., p. 373/374). grifei